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Um ensaio sobre a nossa história
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Alguns documentos que conseguimos
recuperar e que esclarecem um pouco da história da nossa casa,
" Casa de Nossa Senhora da Saúde
".
Corria o ano de 1598, quando a povoação de Setúbal
foi atacada por uma peste, que dizimou os seus habitantes, os quais,
profundamente angustiados, fizeram voto de edificar uma igreja a
Nossa Senhora da Saúde, e de que seriam as filhas donzelas dos
pescadores que transportariam as primeiras pedras para os alicerces
do edifício.
Lavaram-se da peste os ares e cuidou-se desde logo do
cumprimento do voto. Escolheu-se o sítio onde hoje está a igreja, e
que estão, por nimiamente ameno, se chamava "outeiro da saúde", e
designou-se o dia para o assentamento das primeiras pedras. Foi dia
de regozijo: houve festa e procissão, na qual as donzelas filhas dos
pescadores tomaram grande parte, conduzindo os primeiros materiais
para os alicerces do edifício. Progrediram as obras da igreja, que
toda se fez à custa de esmolas e, depois de ornada e paramentada,
constituíram-se nela duas irmandades da Senhora da Saúde, uma
secular outra eclesiástica.
Volvidos tempos, o padre fr. António das Chagas,
fundador do seminário de Brancanes, empenhou-se em levar a cabo a
obra de construção de um recolhimento para donzelas e órfãs, mas a
morte esfriou no seu cérebro tão piedoso intuito; mais tarde, porém,
os padres jesuítas do colégio de São Francisco Xavier, de Setúbal,
deram grande impulso a esta empresa e, escolhido o sítio da igreja
de Nossa Senhora da Saúde, obtiveram que a irmandade daquela
invocação, por escritura de 26 de junho de 1746, lavrada nas notas
do tabelião de Setúbal, Luiz Barbosa de Almeida, doasse para o dito
recolhimento seis casas, proximas à igreja, e toda a mais área do
sítio, no qual se poderia construir o recolhimento e acrescentá-lo
sobre a sacristia. Outrossim cedem à irmandade a igreja para os
ofícios divinos, e o coro para que as recolhidas o frequentassem,
podendo elas mandar abrir, no corpo da igreja, confessionários e
comungatórios, reservando-se porém à irmandade a administração da
igreja.
Solicitou-se e obteve-se a proteção patriarca para
aquela obra, pertencendo a ele a eleição da prelada e a escolha das
recolhidas, precedendo porém eleição das que já haviam sido
admitidas.
Nestes e outros termos foi regida a escritura de
doação, registada em 23 de agosto de 1746, de folhas 8 verso até
folhas 13 verso do livro de registo do Juiz eclesiástico.
O patriarca, por provisão de 23 de novembro de 1746,
registada no livro de câmara eclesiástica a folhas 14, em Setúbal, a
7 de julho de 1747, concedeu a licença para a ereção do
recolhimento, com a condição de não serem prejudicados os direitos
paroquiais, ou a jurisdição ordinária a que ficava sujeito.
Seguiu-se a posse de todo o terreno e edificação, e a
construção do edifício, com a ajuda de grandes esmolas, em que muito
avultou a dos proprietários das marinhas do Sado, que contribuíram
com dez réis por cada moio de sal que vendiam anualmente.
Edificado o recolhimento, o patriarca, por provisão
de 27 de fevereiro de 1761, escolheu para regulamento e instituição
dele os mesmos estatutos por que se regiam as religiosas denominadas
de Santa Úrsula.
A instituição era para cinquenta a sessenta
recolhidas.
Estava o recolhimento sob proteção e direção do padre
jesuíta Gabriel Malagrida, que foi quem colocou no coro da sua
igreja a imagem de Nossa Senhora da Missão, e quem obteve várias
joias de valor para ornato da imagem. Estas joias, nos dias em que
não serviam, eram guardadas no cubículo do reitor do colégio de São
Francisco Xavier, em Setúbal, e lá se achavam quando se fez o
sequestro pela expulsão dos jesuítas; foram mandadas restituir ao
recolhimento, por despacho do juízo de Inconfidência, de 8 de maio
de 1767, e foram entregues, em 7 de agosto do mesmo ano, ao padre
António da Costa Roxo, Procurador-Geral do recolhimento.
Subsistiu o recolhimento, mas privado da proteção que
até então tivera, sucedeu à antiga vida religiosa de desleixo, o
abuso, e por fim o abandono total dos estatutos.
No edifício em que estava o recolhimento acima
mencionado, se estabeleceu o Asilo da Infância Desvalida, hoje
existente.
Recuperamos aqui um texto de Amilcar
Albino, que nos relata mais um pouco da história desta instituição:
Setúbal no passado
"Curiosidades"
1865
Asilo da infância desvalida
Por: Amilcar Albino
Uma das
preocupações de D. Pedro IV, foi a assistência às crianças
desvalidas. Foi formada uma comissão nomeada por D. Pedro IV, a
"Associação da Casas de Asilo de Infância Desvalida", cuja missão
era promover a criação e manutenção de asilos e infância, destinados
a abrigar, sustentar e educar crianças indigentes.
Fundou-se o primeiro Asilo de Infância em Lisboa, em
1834, sob a presidência do próprio rei D. Pedro IV.
A ideia da fundação do Asilo da Infância Desvalida em
Setúbal, coube a Manuel Maria Portella, que a expôs e a transmitiu
através da impressão local, incitando através do "Jornal de
Setúbal", os setubalenses generosos a contribuírem de forma a
prestarem auxílio e instrução às crianças indigentes.
Conseguiu para a sua realização a cooperação do Dr.
João Carlos Botelho Moniz, então Administrador do Concelho.
Formada uma comissão para se conseguir a fundação do
asilo, realizou aquela um bazar no campo do Bonfim, apurando-se a
quantia líquida de 1.088$075 réis, primeira verba alcançada para
aquela nobre iniciativa.
O bazar teve lugar nos dias 27 e 28 de Setembro e 1 e
2 de Outubro de 1865.
A comissão era composta por:
João Inácio da Cruz Forte; António Pereira da Silva;
Augusto Frederico de Oliveira; Manuel António Ligeiro Lima; Joaquim
da Costa Novaes; Francisco Joaquim Ayres Soveral; José Joaquim
Correia; António Maria de Campos Rodrigues; Luís Franciosi de Melo;
João Francisco Alves; Ladislau José Monteiro de Barbudo; Severino
António José da Rosa; João José Soares.
A Associação do Asilo constituiu-se no dia 24 de
Dezembro de 1865.
O local para a instalação do asilo, foi o antigo
Recolhimento da Saúde. Foi concedido por Lei de 2 de julho de 1867 e
a posse ordenada por Portaria do Ministério do Reino de 8 de agosto
do mesmo ano, comunicado à direção por ofício do Administrador do
Concelho, Germano Augusto da Silva Pedroso, em 17 de setembro de
1867, o qual fez a entrega do edifício no dia seguinte, sendo
presidente da Comissão João Inácio da Cruz Forte.
A lei concedeu o edifício que pertencer ao extinto
Recolhimento da Saúde, bem como os anexos, foi publicado no "Diário
de Lisboa", nº151 de 10 de junho de 1867.
A inauguração teve lugar no dia 28 de junho 1868, com
grande solenidade, tendo os estatutos sido aprovados superiormente
em 17 de abril de 1866.
O asilo iniciou-se com 7 asilados. Foram muitos os
benfeitores do asilo: D. Gertrudes Angélica de Andrade Ligeiro,
Comendador Francisco de Borja Faria, cónego José Maria Pinto, barão
de S. Miguel de Campos e José Maria da Rosa Albino, entre outros.
A aula de instrução primária do asilo foi mandada
construir no ano de 1879, pelo barão de S. Miguel de Campos.
Toda a população setubalense auxiliou este instituto
de beneficência, assim como várias corporações oficiais, como a
Assistência Pública, Junta Geral do Distrito, Câmara Municipal e
Juntas de Freguesia.
Durante largos anos o casal José Maria da Rosa Albino
e Adelaide Botelho Moniz Albino Apoiaram generosamente esta
instituição, que a partir dos anos 20, permitiu a estas crianças
frequentarem, na época balnear, as Praias de Albarquel, comenda e
Ajuda.
Foram muitas as festas organizadas para a angariação
de fundos, algumas delas premiando os trabalhos das crianças, no
final do ano letivo.
Os lavores das asiladas, costuras e rendas, foram
bastante apreciados em várias exposições, algumas das quais foram de
realce, como as da Associação Comercial e Industrial e a Regional.
Na Exposição Regional do Distrito de Setúbal,
efetuada em 1930, alcançaram o prémio Medalha de Ouro na
apresentação de rendas e lavores.
O edifício do asilo era amplo, tendo um refeitório,
três dormitórios, regulares salas de aulas, várias dependências,
amplo vestíbulo de entrada e uma grande cerca, que servia para o
recreio das asiladas.
As direções deste asilo tiveram os seguintes
presidentes:
De 1868 a 1869 – Dr. António Rodrigues Manito
Em 1870 – Carlos Torlades O’Neill
Em 1871 – Dr. António Rodrigues Manito
Em 1872 – Dr. João Carlos Botelho Moniz
De 1873 a 1874 – Dr. António Rodrigues Manito
Em 1875 – Joaquim da Costa Novaes
De 1876 a 1900 – Dr. Domingos Garcia Peres
De 1900 a 1902 – Francisco Augusto Machado Correia
De 1903 a 1910 – José Gonçalves da Cunha
De 1911 a 1941 – José Maria da Rosa Albino
Hino da
Infância desvalida
Nosso
asilo é um pombal
Onde há muita pomba ferida,
Fugidas ao vendaval
Das agruras d’esta vida.
É dever
da humanidade
Dar-lhes mimos e ternura,
Transformar-lhe a sociedade
N’uma vida de ventura!
(coro)
Eia, avante ó companheiras
Dos caminhos d’esta vida,
Somos nós as mensageiras
Da infância desvalida.
Levamos
às avezinhas
As nossas festas também,
Porque essas pobres pombinhas
Não têm calor de Mãe!
Não é
justo deixar morrer
As rosas inda novinhas
Deixar pois crescer, viver,
Essas ternas avezinhas!
(coro)
Eia, avante, etc.
Publicamos de seguida , texto
legislativo sobre a nossa casa:
Direção Geral da Administração Civil
3ª Repartição – 2ª secção
Dom
Luís, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc.
Fazemos saber a todos os nossos súbditos, que as cortes gerais
decretaram e nós queremos a lei seguinte:
Artigo 1º É autorizado o governo a conceder ao asilo
de infância desvalida da cidade de Setúbal, para acomodação deste
instituto de caridade, o edifício do extinto recolhimento de Nossa
Senhora da Saúde da mesma cidade, com todas as suas pertenças e
dependências.
Artigo 2º Fica revogada a legislação em contrário.
Mandamos, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e
execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e
guardar tão interiormente como nela se contém.
Os ministros e secretários do estado dos negócios do
reino, e da fazenda, a façam imprimir, publicar e correr.
Dada no paço da Ajuda, aos 2 de julho de 1867.
- El-Rei, com rubrica r guarda – João Batista da
Silva Ferrão de Carvalho Martins – António Maria de Fontes Pereira
de Melo – Lugar de selo grande das armas reais.
Carta de lei pela qual Vossa Majestade, tendo
sancionado o decreto das cortes gerais de 26 de junho próximo
passado, que autoriza o governo a conceder o asilo de infância
desvalida da cidade de Setúbal, para acomodação deste instituto de
caridade, o edifício do extinto recolhimento de Nossa Senhora da
Saúde da mesma cidade com todas as suas pertenças e dependências;
manda cumprir e guardar o mesmo decreto pela forma retro declarada.
Para Vossa Majestade ver. – Anselmo da Silva Franco
Junior a fez.
Finalmente publicamos mais algumas
notas sobre a nossa casa, que ajudam a compreender melhor a história
da Casa de Nossa Senhora da Saúde:
Notas sobre a "Casa de Nossa Senhora da
Saúde"
(extraídas do Livro "Memória sobre a
Administração e História de Setúbal, por Alberto Pimentel, no ano de
1877)
Livro pertencente à Câmara Municipal de
Setúbal
Do Cap.
XII – Asylo de Infância desvalida
Este
estabelecimento de charidade e instrucção faz honra aos sentimentos
piedosos de Setúbal, e mostra mais uma vez quanto é bom preservar
nas intenções beneficentes, por mais árdua que pareça a empreza.
Pelo alcance moral, que em verdade tem o facto da sua fundação, lhe
assignalamos logar especial. Oxalá que o exemplo de tão santa
instituição possa ser imitado em outras localidades.
No dia 28 de junho de 1868 realisou-se a abertura do
asylo com grande solemnidade.
O edificio do asylo que servia de recolhimento, e é
contiguo à igreja de Nossa Senhora da Saúde, esteve nesse dia ornado
e exposto aos visitantes, que a elle concorreram em grande numero.
N’aquella igreja houve missa cantada e sermão, o qual
pregou, com muita eloquência, o padre Caetano de Moura Palha
Salgado.
O iniciador e primeiro propugnador da creação do
asylo foi o redactor do jornal de Setubal, que incitou por largo
tempo os setubalenses a empenharem-se na realização de tal
pensamento, para o que publicou sucessivos artigos no referido
jornal.
Muitos benfeitores teem contribuído com donativos e
serviços em favor d’aquelle utilíssimo estabelecimento.
Os seus fundo principaes proveem de dois legados, um
deixado por D. Gertrudes Angelica de Andrade Ligeiro, e outro pelo
commendador Francisco de Borja Freire.
Para a acquisição deste ultimo legado muito cooperou
o dr. Antonio Rodrigues Manitto, que era presidente do conselho
director do asylo.
Em o nº89 do jornal de Setubal, de 5 de julho de
1868, se descreve minuciosamente a festa de inauguração do asylo.
Ali se educam e alimentam creanças indigentes: é esta
uma das melhores instituições que tem Setubal.
A receita do asylo foi no anno de 1876 de 1.803$603
réis e a despeza de 1.574$401.
Estas cifras são altamente consoladoras. É grato à
alma ver que sobeja o pão, abençoado por Deus, na casa dos pobres e
dos pequeninos.
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